COMPARTILHANDO A FELICIDADE ATRAVÉS DA AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA
por Kamal Phuyal
traducido por Eliane Garcez
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"Participantes de um treinamento não se concentram no conteúdo do treinamento , mas eles focam o comportamento dos treinadores - seja esse comportamento enquanto eles estão treinando/falando em classe ou não. Mais ainda, os participantes colocarão seus ensinamentos em prática se eles forem convencidos pelo comportamento do treinador." (Mr. Uttam Dhakhwa, fórum compartilhado de espiritualidade e desenvolvimento).
Por que usar avaliação participativa, PRA? Essa questão vem sendo levantada em vários fóruns, como treinamentos e seminários. Na minha experiência, eu tenho visto, principalmente, três componentes de maior importância da avaliação participativa: o aspecto de atitude e comportamento, o aspecto de conceito e percepção e o aspecto pratico (de aplicação das ferramentas) ou de conhecimento. O terceiro aspecto parece ser bem claro, se concentra em usar o que foi aprendido e a maior parte do treinamento está focado nesse aspecto. O treinamento começa com a historia da PRA e termina com a aplicação das ferramentas.
O primeiro componente trata da questão de quem deve usar a PRA? Quais são as características que os praticantes da PRA precisam ter? A segunda questão se foca em porque usar a PRA? Por que não usar outras ferramentas? Quais são os valores da PRA? Da mesma forma o terceiro componente se foca em como usar suas ferramentas mais eficazmente. Qual é o processo da sus aplicação?
A participação das pessoas do lugar depende da atitude do facilitador da PRA.
Desenvolvimento Significa Felicidade Compartilhada
Certa vez um de meus colegas me disse: "Você sabe o que significa desenvolvimento? Pela minha experiência é ,sobretudo, compartilhar a felicidade com os outros". Ele explicou com varias experiências que ele tinha tido e eu gostei dessa idéia de desenvolvimento.
Eu tenho tido oportunidade de visitar vários projetos de desenvolvimento; alguns gastam milhões de rupias e outros só alguns milhares. Uma vez eu estava na vizinha cidade de Pokhara, a 200 km de Kathmandu. Nós estávamos fazendo uma avaliação participativa de um projeto de água potável. Nós passamos momentos muito agradáveis lá; pudemos compartilhar muitas coisa com os habitantes do lugar e eles estavam muito, muito felizes por estarmos lá. Financeiramente, era um projeto pequeno. O escritório governamental das bacias hidrográficas e uma organização japonesa fizeram o projeto conjuntamente. Eles gastaram aproximadamente 35.000 rupias para executar o projeto. Durante nossas conversas, as mulheres nos explicaram o projeto:
Uma Didi ( irmã) veio trabalhar no nosso vilarejo. Nós a ignoramos durante muito tempo. As pessoas lhe disseram para ir embora ( eles tinham tido algumas experiências ruins com outras pessoas que foram para lá anteriormente para trabalhar em projetos de desenvolvimento) mas ela, em vez disso, ficou pensando nos nossos problemas por toda noite. Ela era tão .agradável No final, acabamos gostando dela e trabalhamos junto com ela em muitas coisas. Agora nós temos nossas próprias cooperativas. Nós organizamos cursos de alfabetização. Nós passamos bons momentos junto com ela. Nós estávamos muito felizes trabalhando juntos e gostamos muito desses momentos. Sabe, nós terminamos nossos trabalhos alegremente. E mesmo agora , ficamos felizes quando recordamos aqueles dias. Nós gostamos muito do nosso projeto e não vamos deixá-lo morrer nunca, nem que seja só para nos recordar os momentos que passamos com ela.
Aquelas pessoas não conseguiam nem pronunciar direito o nome das organizações; a única coisa que eles repetiam era que eles foram muito felizes com aquela Bikase Didi ( irmã). Infelizmente, nós não pudemos nos encontrar com aquela Didi, mas quando falamos sobre ela , descobrimos que ela era muito feliz por trabalhar com mulheres da área rural. Nós soubemos que seu único lema era compartilhar a felicidade com outras pessoas. Ambos, a Didi e as pessoas do vilarejo compartilharam sua felicidade. O projeto de água potável era o meio para eles compartilharem essa felicidade. E a felicidade conduziu o projeto ao sucesso. Os habitantes do vilarejo não estavam preocupados com a quantia gasta no projeto nem lembravam quanto tinha custado. Durante o período de avaliação, eles relembraram constantemente a felicidade que eles sentiram. Essa felicidade os encorajou a fazer muitas outras coisas. Agora eles tem sua própria cooperativa e eles formaram um comitê de manutenção entre as mulheres. Eles tem grupos de desenvolvimento. "Nós estamos felizes por fazer parte de um grupo e nós vamos lá, nós dividimos os nossos problemas e, de fato, nós podemos compartilhar nossa felicidade lá.” elas dizem
Uma das maiores organizações multi laterais gastou 1.5 milhões de rupias num projeto de água potável em um vilarejo no distrito de Nuwako, na parte norte de Kathmandu. Portanto, cada comitê de desenvolvimento local (CDL) que cobre em torno de 800 famílias ( em vários vilarejos) recebe só do governo 500 mil rupias como orçamento anual. Lá tem havido vários conflitos entre os moradores e o projeto. Os moradores não estavam satisfeitos com o projeto embora tenha solucionado o problema deles terem que buscar água a grandes distâncias. Na sua avaliação sobre o projeto, os moradores disseram o seguinte:
A construção do projeto está quase completa, mas nós nem sequer conhecemos as pessoas que fizeram o projeto. Eles trocam constantemente os membros da equipe. Nós nunca vemos a mesma pessoa duas vezes no vilarejo. Nós não achamos que esse projeto é nosso. Nós soubemos que eles tinham formado um grupo de trabalho. Nós não sabemos quem são eles. Eles devem ser lideres políticos. A equipe não tem um escritório aqui nem um lugar permanente para ficar. Constantemente eles regressam nos seus carros para Kathmandu ou Trishuli ( as sedes dos distritos) depois de visitar os lugares. Um construtor nosso vizinho está com a responsabilidade da construção. Nós fomos uma vez conversar com os membros da equipe, mas eles não pareceram muito contentes em conversar conosco.
Os moradores há muito tempo vão buscar água em uma nascente próxima; e eles podem continuar fazendo isso por muito mais tempo. Não lhes foi perguntado o que eles desejavam; o que eles realmente pensavam sobre isso. Foi planejado por gente de fora e implementado com a ajuda de um monte de gente que nunca teve problemas com abastecimento de água. Por isso nós achamos que esse projeto não poderia ser o meio de compartilhar a felicidade. A distância entre os moradores e o pessoal do projeto começou a aumentar desde que este começou. Parece evidente que o pessoal sempre considerou o projeto como uma parte do seu trabalho. Eles achavam que eram muito gentis por trazerem o projeto para o vilarejo. Eles não estavam dispostos a gastar tempo conversando com os moradores; se eles não conversavam com as pessoas como poderiam compartilhar felicidade?
Nossa historia nos diz muito sobre o trabalho participativo feito pelo próprio pessoal da comunidade. Se encontram vários casos de gente que construiu templos, escolas, estradas e tanques, que cavou poços e muito mais. Eles faziam isso como es estivessem celebrando uma cerimonia. Uma analise sobre isso nos leva a concluir que a principal motivação atras de tudo isso era compartilhar a felicidade. Eles costumavam cantar canções, faziam serviços sociais em grupo, dividiam a comida entre eles em festas, riam, se divertiam e terminavam a obra.
Uma vez, uma grande organização ofereceu um ótimo emprego para uma de minhas colegas. Ela pensou muito, conversou com varias pessoas e acabou por recusar o emprego. Ela disse
Eu não sei se eu vou ter um "ambiente feliz" ’ nesse novo lugar ou não. Eu sou muito feliz trabalhando aqui com meus colegas com quem eu posso compartilhar minha felicidade. Eu gosto de trabalhar aqui. Claro, eles me ofereceram o dobro do salário e varias facilidades. Mas fiquei com medo de perder minha felicidade.
Compartilhando a felicidade através da PRA
Até agora nós não achamos nenhum treinamento através da PRA aborrecido. Recentemente eu revisei 60 relatórios de treinamento através da PRA. Eu consultei a parte de avaliação feita pelos participantes que é feita, principalmente, no final do treinamento. Eu não achei nenhum depoimento sequer dizendo que o treinamento através da PRA é aborrecido. Se podem ler coisas como: "Dez dias passaram como dez minutos", "O processo de treinamento era como uma brincadeira, " "Nós dividimos muitas coisas", etc. O que se aprende através da PRA, pode ser também aprendido de outro modo. Entretanto, pela minha experiência, um dos maiores benefícios da PRA, é criar um ambiente de compartilhamento da felicidade. Os participantes não sentem que existe uma hierarquia; eles não sentem nenhuma diferença (socio-economica, de casta ou de gênero). Todos eles riem, aprendem e compartilham. Compartilhar a felicidade desenvolve ligações afetivas entre os participantes que é a finalidade da PRA, seja ou durante o treinamento ou na comunidade.
"Você sabe, os moradores enquanto estão fazendo o mapeamento, movem pedras, galhos e fazem casas. Eles lembram que estão fazendo um mapa nos primeiros quinze minutos. Depois se esquecem que estão jogando com pedras e outros materiais locais. E aí caem na realidade. Eles gritam, riem, conversam abertamente e algumas vezes ficam irritados. Assim, o que eu tenho observado, é que depois de 15 minutos, se inicia a real discussão e análise e começa o compartilhamento da felicidade. Quando o tempo artificial acaba e começa o compartilhamento da felicidade, outros moradores, que se mantiveram de lado, começam a participar do exercício. Mesmo as pessoas ignorantes e marginalizadas, que hesitavam em falar em publico, começavam a participar. Compartilhando a felicidade torna o processo mais fácil".
Comentário de um dos treinadores da PRA
Mas, a PRA, sem o compartilhamento da felicidade, se torna aborrecida e muito técnica. Às vezes, é também perigoso. Os coordenadores de um CDL do distrito de Dhading, vizinho do distrito de Kathmandu, relataram-nos sua experiência em ver uma "gangue de PRA" fazendo o seguinte:
"Uma equipe de PRA chegou com quatro ou cinco carregadores na frente deles, trazendo suas tendas e mantimentos. Eles chegaram no vilarejo e alguns deles foram procurar galinhas, enquanto outros cortavam galhos de arvores para fazer uma fogueira para o acampamento à noite. Um grupo de jovens foi para a fonte e começou a molestar as jovens do vilarejo. À noite eles tiveram um grande evento cultural. Tocaram música Angreji ( em inglês), e começaram a dançar música de discoteca. Eles gritaram e dançaram e só pararam quando dois rapazes bêbados começaram a brigar. Na manhã seguinte, eles reuniram só sete ou oito pessoas, incluindo três da casa onde eles tinham estado, e "fizeram a PRA".
Esse tipo de PRA não participativa não compartilha a felicidade e ainda tira a felicidade das pessoas. Mais ainda, esses exercícios de PRA, com seus interesses ocultos, arruinam os valores da PRA.
Qualquer coisa que se faça através da PRA pode ser feita de outras maneiras. Usando outras técnicas também se pode aumentar a participação das pessoas da comunidade. Nós podemos encorajar a participação dos iletrados e marginalizados nos processos de desenvolvimento através do uso de outras técnicas. Mas , o grande valor ou contribuição da PRA é que ela tem o potencial de criar um ambiente para compartilhar a felicidade.
Uma vez estava sendo feito uma classificação de pobreza em um vilarejo do distrito de Sindhupalchowk, que fica a noroeste de Kathmandu. Foi feita por um grupo de moradores. Eles puseram um homem de idade num nível baixo (pobre). Ele também estava no grupo e discordou disso. Discutiram por um longo tempo. Os outros queriam provar que ele era pobre dando vários exemplos. Na realidade , eles estavam tentando ajudá-lo pois o projeto iria providenciar alguns programas para as pessoas pobres. Era mesmo difícil para ele conseguir duas refeições por dia. Ele disse:"Eu não tenho comida suficiente, mas eu sou feliz. Eu sou a pessoa mais feliz deste lugar. Vocês me viram alguma vez triste ou deprimido? Como vocês podem me chamar de pobre?" De fato, ele era o primeiro a participar , ou liderar, qualquer trabalho social. No final, os outros o puseram num 'nível .intermediário’
Depois daquele exercício, nós conversamos bastante com o homem e descobrimos que ele tinha uma fonte de felicidade dentro dele. Todos os moradores sentiram sua falta quando ele teve que se ausentar por alguns dias. O grupo da PRA se conscientizou que, é claro, que as necessidades básicas são (no mínimo) um direito de todo ser humano e a fome pode criar obstáculos para se sentir feliz. Entretanto, o bem estar econômico não pode ser comparado ao bem estar emocional e espiritual.
No mês passado nós tivemos uma discussão sobre desenvolvimento e espiritualidade. Alguém perguntou:" E o empoderamento da parte marginalizada da sociedade? Eles compartilham a felicidade com quem? Essa discussão teve algumas conclusões:
É claro, queremos justiça, e não disparidades, nem tampouco exploração, e sim, queremos o 'empoderamento dos não empoderados'. Portanto, queremos a participação dos indivíduos carentes e marginalizados nos seus próprios processos de desenvolvimento. Queremos ouvir-los e também ouvir suas idéias. Queremos ser seus amigos durante esta etapa de ‘empoderamento’. Não somente como parte do nosso trabalho, mas porque esta experiência nos fará mais feliz. Queremos poder elevar-los e diminuir as disparidades. Devemos fazer-los sentir a nossa alegria pela sua amizade, e por poder participar em conjunto no curso do ‘empoderamento’. Esta é a maneira pela qual compartilhamos nossas alegrias. Uma vez que eles compreendam nossos sentimentos e vontades, também irão compartilhar suas alegrias conosco. É claro que a PRA pode nos ajudar muito a compartilhar todo esse sentimento com as partes marginalizadas. A PRA elimina toda e qualquer formalidade e também apóia o desenvolvimento em andamento, levando em conta a maneira de pensar de seus participantes.
Um dos responsáveis por um CDL contou-nos sua experiência em usar a PRA para o planejamento.
Antes da PRA, costumávamos coletar as necessidades de cada distrito. Nossa mesa sofria muito pois cada um dos membros do distrito tentava provar que suas necessidades eram as mais importantes dando murros na mesa! Entretanto, a classificação das prioridades em pares salvou nossa mesa naquela época. Agora, as classificamos mais pacificamente.
Tem sido através desse processo que me dei conta, pelas experiências que eu tive até agora, que a PRA nos ajuda a compartilhar nossa felicidade com os vizinhos assim como eles compartilham a deles conosco, especialmente com os vulneráveis e marginalizados. Acredito que refletir sobre os aspectos positivos ( de qualquer coisa) pode ajudar-nos a avançar com o desenvolvimento. Refletir só nos aspectos negativos nos aprisiona; não podemos avançar se nos concentramos só no negativo.
Kamal Phuyal Nepal Artigo submetido no seminário do IDS,"Caminhos para a Participação"
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